sábado, 27 de abril de 2013

O assassino era escriba


O assassino era escriba

 
Meu professor de análise sintática era do tipo sujeito inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida, regular.
Regular como um paradigma da 1ª conjungação.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial, ele não tinha dúvidas:
sempre achavaum jeito assindético de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi infeliz.
Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.
A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,
conectivos e agente da passiva o tempo todo.
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.
Professores de gramática, cuidado com o objeto direto!
                                                           Paulo Leminski
__._,_.___

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Hoje

Hoje

Rodolfo Pamplona Filho
Como fazer do hoje
um dia especial?
Como evitar que, amanhã,
ele seja mais do que um traço
riscado no calendário?
É claro que, só pelo fato
de, hoje, estar vivo,
o hoje tem em si
um toque diferenciado...
Mas não se distingue
de qualquer outro dia
em que o sopro da vida
por mim passou...
É preciso que o hoje
seja mais do que o ontem
e menos do que o amanhã...
É preciso viver o hoje,
sem remoer o ontem,
como se não houvesse amanhã...

Salvador, 13 de abril de 2012.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

plurisubjetividade

plurisubjetividade


Reilan dos Reis

Na cortina de fumaça até tem fumos de boa-praça
Mas a alma é mesmo abastada de cobiça e trapaça
A mesma que te alça o punhal e mata
Beija- lhe a fronte e ergue uma taça

Sei muito bem como é ruim
Ser dia e noite um estopim
Que assim aceso vai buscar o próprio fim
Para uma vez morto viver como James Dean
Deus perdoe o mal que habita em mim

Finjo não saber que a alma é uma Desdêmona culpada.
E creio infinitamente na sua palavra falada.
Recolho-me ao conforto
E sou tudo
Surdo
Pouco
Nada.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

O Sistema

O Sistema

Rodolfo Pamplona Filho
O sistema é a desculpa perfeita
para todo e qualquer problema.
O sistema é rígido,
para justificar a intransigência;
O sistema é flexível,
para justificar a leniência;
O sistema é bruto,
quando se usa a violência;
O sistema é podre,
quando se explica a concupiscência.
Exige-se uma comissão
em um sistema de corrupção.
Demanda-se atenção
com um sistema em formação.
A queda do sistema
fundamenta toda resposta
e substitui a verdadeira causa
que impulsiona cada movimento.
Se, em um passado não distante,
o desejo era derrubar o sistema,
hoje, ele cai sozinho, sem esforço,
sendo o mais perfeito calaboca
para quem já acredita
que existe realmente um sistema
que tudo coordena
e que interliga cada movimento,
como se não existisse
o único e onipresente...
caos...

São Paulo, 09 de abril de 2012.

terça-feira, 23 de abril de 2013

A Caneta de Deus

A Caneta de Deus

A Mãe deu um pulo assim que viu o cirurgião a sair da sala de operações. 
Perguntou: 
- Como é que está o meu filho? Ele vai ficar bom?
 
- Quando é que eu posso vê-lo? 

O cirurgião respondeu: 
- Tenho pena. Fizemos tudo mas o seu filho não resistiu.
 

Sally perguntou: 
- Porque razão é que as crianças pequenas tem câncer? Será que Deus não se preocupa?
 
- Aonde estavas Tu, Deus, quando o meu filho necessitava? 

O cirurgião perguntou: 
- Quer algum tempo com o seu filho? Uma das enfermeiras irá trazê-lo dentro de alguns minutos e depois será transportado para a Universidade.
 

Sally pediu à enfermeira para ficar com ela enquanto se despedia do seu filho. Passou os dedos pelo cabelo ruivo do seu filho. 

- Quer um cachinho dele? Perguntou a enfermeira. 
Sally abanou a cabeça afirmativamente.
 
A enfermeira cortou o cabelo e colocou-o num saco plástico, entregando-o a Sally. 

- Foi idéia do Jimmy doar o seu corpo à Universidade, porque assim talvez pudesse ajudar outra pessoa, disse Sally.
No início eu disse que não, mas o Jimmy respondeu: 
- Mãe, eu não vou necessitar do meu corpo depois de morrer. Talvez possa ajudar outro menino a ficar mais um dia com a sua mãe.
 
Ela continuou: 
- O meu Jimmy tinha um coração de ouro. Estava sempre a pensar nos outros. Sempre disposto a ajudar, se pudesse.
 

Depois de ter passado a maior parte dos últimos seis meses ali, Sally saiu do "Hospital Children's Mercy" pela última vez.
  Colocou o saco com as coisas do seu filho no banco do carro ao lado dela. 
A viagem para casa foi muito difícil. Foi ainda mais difícil entrar na casa vazia. 
Levou o saco com as coisas do Jimmy, incluindo o cabelo, para o quarto do seu filho. Começou a colocar os carros e as outras coisas no quarto exatamente nos locais onde ele sempre os teve. 
Deitou-se na cama dele, agarrou a almofada e chorou até que adormeceu. 

Era quase meia-noite quando acordou e ao lado dela estava uma carta. 
A carta dizia: 
-Querida Mãe,
 
Sei que vais ter muitas saudades minhas; mas não penses que me vou esquecer de ti, ou que vou deixar de te amar só porque não estou por perto  para dizer: "te amo". 
Eu vou sempre amar-te cada vez mais, Mãe, por cada dia que passe. 
Um dia vamos estar juntos de novo. Mas até chegar esse dia, se quiseres adotar um menino para não ficares tão sozinha, por mim está bem.
 
Ele pode ficar com o meu quarto e as minhas coisas para brincar. Mas se preferires uma menina, ela talvez não vá gostar das mesmas coisas que nós, rapazes, gostamos. 
Vai ter que comprar bonecas e outras coisas que as  meninas gostam você sabe. 
Não fique triste a pensar em mim. Este lugar é mesmo fantástico!
 
Meus avós vieram me receber assim que eu cheguei para me mostrar tudo, mas vai demorar muito tempo para eu poder ver tudo. 
Os Anjos são mesmo lindos! Adoro vê-los a voar! 
E sabe uma coisa?... 
O Jesus não parece nada como se vê nas fotos, embora quando o vi o tenha conhecido logo. 
Ele levou-me a visitar Deus! 
E sabe uma coisa?... 
Sentei-me no colo d'Ele e falei com Ele, como se eu fosse uma pessoa importante. Foi quando lhe disse que queria escrever-te esta carta, para te dizer adeus e tudo mais. 

Mas eu já sabia que não era permitido.
 
Mas sabe uma coisa Mãe?...
 
Deus entregou-me papel e a sua caneta pessoal para eu poder escrever-te esta carta. 
Acho que Gabriel é o anjo que te vai entregar a carta. Deus disse para eu responder a uma das perguntas que você Lhe fez, 
"Aonde estava Ele quando eu mais precisava?"... 
Deus disse que estava no mesmo local, tal e qual, quando o filho dele,Jesus, foi crucificado. Ele estava presente, tal e qual como está com todos os filhos dele. 
Mãe, só você é que conseguirá ver o que eu escrevi, mais ninguém.
 
As outras pessoas só verão este papel em branco. 
É mesmo maravilhoso não é!?... 
Eu tenho que dar a caneta de volta a Deus para ele poder continuar a escrever no seu Livro da Vida.
 
Esta noite vou jantar na mesma mesa com Jesus. 
Tenho a certeza que a comida vai ser boa. 
Estava quase esquecendo: já não tenho dores, o câncer já se foi embora.
 

Ainda bem, porque já não podia mais agüentar e Deus também não podia ver-me assim.
 

Foi quando ele enviou o Anjo da Misericórdia para vir me buscar. 
O anjo disse que eu era uma encomenda especial! O que diz disto?... 
Assinado com Amor de Deus, Jesus e meu.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Soneto da Vida sem Graça

Soneto da Vida sem Graça

Rodolfo Pamplona Filho
Gente desanimada,
sem pulsão de vida,
sem vontade de nada,
sem talento para a lida...

Falta sal, pimenta e tempeiro...
Falta muito para ser inteiro,
pois sorrir é um hercúleo esforço
e viver é somente um esboço...

Não é quente, nem frio...
É morno, sem cor e sem brio
Qualquer coisa é uma desgraça

para quem não consegue vibrar
e, para quem, só resta lamentar
por viver uma vida sem graça.

São Paulo, 08 de abril de 2012.

domingo, 21 de abril de 2013

DE QUE É FEITO UM NAMORO?

DE QUE É FEITO UM NAMORO?
Alberto Saraiva


Um namoro começa por dois olhares que se encontram. De repente, não mais que de repente, a visão do outro traz um cadinho de sentimentos e desejos ocultos, alguns acalentados, outros que a gente já tinha como perdidos. Eles vêm, afloram em um sorriso, transmudam-se no toque, revelam-se no cheiro que vem do outro - um cheiro bom que só poderia vir de alguém que já nos queria, antes mesmo de nos conhecer. Um namoro nasce de um abraço. O encontro dos corpos vem confirmar o que os olhos, diligentemente, já tinham pressentido.

 O abraço se apresenta como uma promessa que vai precisar de muitas horas, muitos dias e muitas noites, muitas semanas e meses e anos para que seja reafirmada, renovada, requalificada, cuidada, realimentada. Um abraço é assim como uma promessa aos deuses que protegem os enamorados. E fazem deles dois entes divinizados, que têm o poder de parar o tempo, desafiar a lei da gravidade - como nos sentimos leves! - e revogar a relatividade: nos torna seres absolutos, capazes de criar momentos únicos, justo por estar com uma pessoa que o sentimento fez única.


Um beijo sela um namoro. É como se fôssemos dois papéis, meros rascunhos de nossas vidas, que precisam ser reconhecidos em um cartório que atesta que somos capazes de amar e que estamos aptos para tanto. O beijo é um carimbo aposto em nós por alguém que tem a propriedade de fazê-lo, porque também cuidou da sua capacidade de amar e de se entregar a outrem. E faz isso através de uma assinatura labial carregada de emoção e desejos, que são o mapa do caminho que está por vir - um caminho para ser trilhado a dois, com incidentes e acidentes de percurso, é verdade, mas que sempre terá coisas boas para se olhar em volta, de fazer-nos voltar o olhar para ver a marca das nossas pegadas, ou de olhar pra frente, para melhor escolher o que o trajeto nos apresenta.

A admiração nos ensina um outro caminho: o da adoração. Como é bom, como faz bem, adorar a mulher que está ao nosso lado, sentir o quanto é bom tê-la e vê-la andando como se dançasse; dançando como se isso fosse tão normal quanto andar; conversando, sorrindo, com roupa, com quase nenhuma roupa, sem roupa. Falando ao telefone, trabalhando, malhando, lendo, deixando-se enlevar por uma música, fazendo um brinde com um olhar -  que brilha sem que nenhuma luz externa precise estar refletido nele. O brilho da estrela que ali está surge por mágica, porque mágico é o momento. E esse ser adorado ainda acha  tempo entre uma coisa e outra para nos lançar olhares que nos remetem ao primeiro, aquele que nos ligou, lá no princípio de tudo - e aí o princípio não era o verbo: era o olhar. E um tempo que não pode ser medido transcorreu entre o primeiro olhar e a primeira palavra trocada.

Mas essa mulher faz mais ainda: passa de passagem e nos dá um beijinho, que tem um jeito de roubado, que tem muito da inocência recuperada para que seja novamente perdida quando nossos corpos famintos se encontrarem novamente.


O carinho tem o poder de fazer com que nossa pele se estenda até a totalidade da pele do outro. E que se acostume a essa amplitude recém-adquirida. Sem ela, nossa pele fica fria, como que abandonada, carente. É uma saudade constante, uma dependência saudável, doce droga que nos faz produzir as endorfinas do estar bem. Mas quem entende de produção de endorfinas que só fazem bem é um cara conhecido como sexo.

O sexo... há um tipo superior de sexo: o que é feito com amor.  
Que maravilha quando esse tipo de sexo já é nosso velho conhecido. Quando a gente o sente, o reconhece de imediato.
 
E o amor? Ah, o amor é tudo isso e muito mais. Senti-lo chegar é realizar um desejo,  tê-lo é viver um sonho, perdê-lo é dor que não passa. 

Uma pequena ausência de quem se ama lhe dá uma pequena amostra disso. As horas se alongam, as coisas não se encaixam, o dia não tem sentido, a vida parece sem razão... Você anda meio sem rumo, tendo como combustível a saudade. E como este combustível é ruim: não tem a octanagem necessária para lhe dar arranque; torna seus passos curtos, não lhe levando muito longe; sua autonomia fica restrita a ir de uma lembrança a outra, de um sorriso ou outro, ao lembrar daquele sorriso; de rever imagens que perspassam pela sua memória. E faz evaporar a vontade de fazer coisas que não sejam pensar no outro.


Mas aí você se diz que ter aquele alguém como seu é a prova de que é capaz, sim, de conquistar aquela mulher maravilhosa, jeito de criança, corpo de deusa, braços que te enlaçam, pernas que parecem esculpidas, fêmea que te leva ao cio. Uma cabeça de mulher completa, que você pretende manter sempre ligada em você. Porque você a ama.
Então você pega o telefone e liga pra ela, para dizer justamente que a ama. Nada mais do que isso. Não, na verdade você vai dizer mais uma coisa: que vocês têm tudo, todos os componentes necessários,suficientes, importantes e indispensáveis para que sejam eternos namorados.
Porque é disso tudo que é feito um namoro. 

Alberto Saraiva

Agosto de 2007